quarta-feira, fevereiro 14



A ideia e o seu suporte

Se o meio é a mensagem, Alexandre Rola é a cor das noites sem abrigo.
 Ao pintar cartões de papelão onde dormem pessoas que não tem casa, Alexandre Rola usou os suportes que se escondem na selva urbana e expô-los nas paredes mais nobres da cidade que é a galeria de arte.
Pintou os excluídos e exibiu os seus rostos. Mostrou os seus olhares. Precisamente aqueles olhares dos quais muitas vezes procuramos desviar pudicamente o nosso próprio olhar, mostrou-nos a noite e a miséria do vão de escada com a dignidade de um artista plástico que não se cala, não se conforma, não desiste.
O seu trabalho é fazer flagrantes gritos de alma com cartões que já embrulharam carne-viva, depois de terem embalado produtos de marca que a sociedade consome e deita ao lixo.
A obra de Alexandre Rola começa, por isso, na ideia genial do suporte de cartão. Prolonga-se depois nos traços grossos da sua fina sensibilidade e desagua na explosão de retratos que desafiam consciências.
Vi pela primeira vez os quadros de Alexandre Rola na Galeria do Clube Literário do Porto. Foi a minha filha Minês que me levou pela mão, surpreendendo-me com esta frase: Ò pai, tens mesmo que ver a força daquela ideia!
A ideia era a reciclagem de materiais deitados ao lixo em arte. Não apenas pela pintura, mas também pelo gesto. Adivinha-se na obra de Alexandre Rola o movimento dos pincéis. Percebe-se a dinâmica das cores. Entende-se a raiva, a fúria e a ternura,
Por isso gostaria de ver este artista num espaço de maior impacto cénico. Acho que a sua exposição deveria estar permanentemente no Banco de Portugal, no Ministério das Finanças ou em qualquer sítio onde se fale muito de dinheiro. Porque o papel de cartão dos sem abrigo é muitas vezes feito do mesmo material com que se produz o luxo e o lixo. São duas faces da mesma moeda. Duas realidades: A Fortuna e a exclusão. Que só a arte consegue sublimar sem demagogia.

Carlos Magno

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